FESTA EM HOMENAGEM AO JUMENTO REÚNE 20 MIL PESSOAS NO SERTÃO PERNAMBUCANO
20.06.2007
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Meninos e jumento
Wllyssys Reis
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Corrida de burros
Wllyssys Reis
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Jumento alegórico
Wllyssys Reis
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Forró do Poeirão
Wllyssys Reis
Jegue Contrabando, montado por Marquinho, é o vencedor do Grand Prix
Petrolina (PE) - Como um autêntico campeão, o jegue Contrabando curva os joelhos na pista de areia, em agradecimento aos aplausos do público de cerca de 20 mil pessoas que nos dias 9 (sábado) e 10 (domingo) lotou o jegódromo erguido no distrito do Capim, bairro rural da cidade de Petrolina, a mais importante do sertão pernambucano. Domingo, Contrabando, montado pelo jóquei Antonio Nilton dos Santos Feitosa, o Marquinho, 17 anos, foi o grande vencedor do Grand Prix Jeguístico, principal evento da Jecana Oficial do Brasil que o veterano radialista Carlos Augusto Amariz Gomes promove há 36 anos em homenagem ao animal símbolo do sertão: o jumento.
Tudo começou como uma brincadeira. No início dos anos 70 durante o programa A Voz do São Francisco, na Emissora Rural de Petrolina, informei que seria realizada no Amazonas uma corrida de cágados. Um amigo fez uma gozação dizendo que só faltava agora eu promover uma corrida de jumentos na nossa cidade. Topei a idéia e criei a Gincana de Jegues, que se transformou na Jecana, conta Carlos Augusto.
Com o tempo, a fama da festa atravessou as fronteiras de Petrolina e ficou conhecida em todo o semi-árido nordestino sendo copiada por outras cidades, originando, segundo o radialista, o circuito do jegue. Hoje, a Jecana faz parte dos festejos oficiais da cidade e é um dos maiores acontecimentos do ciclo de festas juninas do nordeste.
Mas também cresceu em importância, ultrapassando o simples folguedo junino. Com o evento, pretendemos alertar e conscientizar as autoridades e a população para a necessidade da criação organizada e sistemática do jumento, que hoje é feita de forma aleatória, sendo que os donos dos animais ficam sem nenhum retorno financeiro, argumenta o radialista. Os animais são criados soltos, na beira das estradas, onde provocam acidentes até fatais. Muitos são sacrificados.
Carlos Augusto prega a valorização econômica da cultura do jumento, com a carne exportada para os mercados da França e do Japão, por exemplo. As autoridades têm de atentar para o potencial econômico do jumento, afirma.
Cerveja - Patrocinada pela prefeitura municipal e pelo governo de Pernambuco, com o apoio da Associação de Moradores do Capim e do programa Forró do Povo da Rádio Grande Rio AM, a festa começou no sábado com a realização de uma cavalgada que saiu do centro da cidade e terminou no distrito rural, da qual participaram centenas de cavaleiros homens, mulheres e crianças. Também aconteceu um disputadíssimo torneio de futebol reunindo principalmente equipes formadas por trabalhadores rurais. Neste ano, o vencedor do torneio Zé Coelho, político local falecido recentemente, foi o time dos trabalhadores do projeto de irrigação Maria Tereza, que além do troféu ganhou dois engradados de cerveja ou grades de cerveja, como se diz por essas bandas.
No sábado, a festa rolou até o sol raiar no Clube do Capim, com os casais se refestelando no mais autêntico forró pé de serra ao som da zabumba, da sanfona e do triângulo comandado pelos forrozeiros Sérgio do Forró e César Adriano. O forró reuniu umas dez mil pessoas, calcula Ednalva Costa Rodrigues, presidente da Associação de Moradores do Capim. Para tanta gente, haja bode assado, carneiro, buchada, galinha de capoeira e sarapatel, preparados pelas cozinheiras Luzinha, Bastiana, Lúcia e por ela mesmo, Ednalva.
Trabalhei no Clube do Capim até as cinco da manhã. Nem deu para dançar. Às seis já estava de pé de novo, preparando tudo outra vez para a festa do domingo, conta Ednalva. Termina uma Jecana e a gente já está pensando na próxima. Dá trabalho, mas vale a pena; é para valorizar a nossa cultura, orgulha-se.
Quando o domingo amanheceu, a Jecana já havia feito algumas baixas entre bêbados que dormiam ao pé de vegetações típicas da caatinga. Mas também havia casais que descansavam, sossegados da vida, em redes armadas ao tronco dessas mesmas árvores. De carros, motos, ônibus e mesmo a pé as pessoas não paravam de chegar ao Capim.
Um pouco mais tarde, o radialista Carlos Augusto e organizadores do Grand Prix Jeguístico reuniram os competidores para anunciar as regras da corrida e dividir os animais por páreos. Foram inscritos 24 jegues de criadores pernambucanos, e também da Paraíba e Sergipe, que iriam brigar pelo troféu Cangalha de Ouro. Também foram inscritos 14 burros para concorrer ao troféu Senador Nilo Coelho.
Serão disputados cinco páreos, que classificarão dois animais, cada um, para as semifinais. A finalíssima será disputada pelos três melhores colocados, explicou. Antes do Grand Prix, porém, aconteceu outro ponto alto da festa: o desfile do Jegue Alegórico, espécie de concurso de fantasia dos animais. Fiel à principal orientação do concurso segundo a qual o concorrente é o jumento, o homem é complemento, o corpo de jurados, após avaliar os itens criatividade, beleza, simpatia e alegria, decidiu entregar o troféu Celestino Gomes e o prêmio de R$ 600 ao jegue que se apresentou com o tema Efeito Estufa, do criador Chico do João de Deus, uma bem-humorada crítica à devastação da natureza provocada pelo homem.
Atropelamento - O Vaqueiro e a Dor, retratando o sofrimento do nordestino pela perda de um filho, ficou em segundo lugar. Mas houve quem não se conformasse, pedindo o prêmio principal ao jegue caracterizado como a cantora Joelma, do grupo Calypso. Joelma, por sinal, deu um trabalho enorme na hora do desfile, quando precisou ser contida por cinco homens.
Na corrida dos burros, porém, quase aconteceu uma tragédia. Um bêbado, não identificado, foi atropelado na linha de chegada por um dos muares e caiu estatelado na pista de areia, desacordado. Mais tarde, o serviço de alto-falante, para alívio da platéia, informou que o homem fora levado ao pronto-socorro, onde se recuperava sem maiores danos físicos.
E, finalmente, à tarde, na pista de 250 metros de extensão do jegódromo do Capim aconteceu o aguardadíssimo Grand Prix Jeguístico. Depois de pegas muito disputadas, classificaram-se para a final os jumentos Canarinho, Brinquedo e Contrabando. Foi um tira-teima duríssimo entre o campeão de 2006, Canarinho, e o vencedor de 2005, Contrabando, com Brinquedo correndo por fora, feito azarão.
Como definiu com precisão o radialista Carlos Augusto, após uma disputa orelha com orelha, língua com língua, o valente jegue Contrabando, pilotado pelo jóquei Marquinho, cruzou vitorioso a fita. O proprietário, Chico do João de Deus, além do troféu Cangalha de Ouro, levou R$ 3.500 para casa. Depois, Marquinho, no lombo de Contrabando, correu como um louco, pista afora, avisando para quem quisesse ouvir que no Forró do Poeirão, logo em seguida, a cachaça vai ser grande.
Àquela altura, em um palco montado em cima de um caminhão, Manuzinho do Acordeon e banda já puxavam um animadíssimo forró pé de serra. que se estendeu até a madrugada de segunda-feira.
José Paulo Borges
E-mail: borges.ja@bol.com.br