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TERCEIROSETOR

Ano 2167

por João Magalhães

06.04.2020  |  1.051 visualizações

Região entre São Paulo e Rio de Janeiro, hoje conhecida com Grande Vale.

Um dia normal na escola. Na sala de aula, os alunos conversam animados, porém calmamente, sem alarde, sem gritaria. A professora entra em sala, todos fazem silêncio e se levantam. Ela os cumprimenta e pede que se sentem.

Sim, você não leu errado: o ano é esse mesmo e sim, as aulas são presenciais. Há muito tempo, perdemos a sensibilidade, achamos que a tecnologia magnífica que tínhamos em mãos nos bastava. Deixamos as crianças entretidas com essas ‘maravilhas’ do mundo moderno que desenvolvemos (e a que custo!). Chegamos ao absurdo de acreditar que nossas crianças seriam melhor ensinadas através da I.A., que teriam uma educação mais neutra. Que os pais teriam mais tempo para se dedicar ao trabalho, tendo assim mais foco e sendo mais produtivos. Enquanto isso, seus filhos eram educados por essa inteligência livre de falhas, de erros, de preconceitos e de julgamentos. Felizmente percebemos o perigoso erro que estávamos cometendo e mudamos.

De qualquer forma, vamos à aula.

A turma é formada por cerca de 20 crianças pré-adolescentes, entre 10 e 12 anos de idade, todos mestiços com traços os mais variados possíveis, resultando em misturas das mais incríveis. Crianças loiras de olhos puxados, outras morenas e negras de olhos claros e cabelo liso, muitas delas com feições de orientais. Portanto, não existem mais distinções quanto a raça ou etnia.

‘Hoje vamos falar da primeira metade do Século XXI, mais precisamente do início da década de 2020. Alguém sabe qual acontecimento marcou aquele período?

Começou a professora.

Uma aluna levanta a mão: ‘Eu sei professora: foi uma doença...’

‘Exato Mary. Mas, você sabe por que essa doença teve tanto impacto naquela época, repercutindo na nossa sociedade atual?’

Mary apenas balança a cabeça negativamente.

A professora olha em volta. ‘Alguém sabe... alguém quer arriscar?’ diante do silêncio e olhares dissimulados da turma, ela retoma:

‘Bem, a crise do COVID-19...

Enquanto fala, a professora escreve na lousa (o famoso e antiquado quadro negro ainda existe; bem parecido com que foi muito usado em escolas e universidades durante séculos. Só que não funciona exatamente com giz).

Ela escreve:

CO – rona              VI - rus                     D – isease             2019

para explicar visualmente aos alunos de onde veio o termo.

“...foi uma crise gerada por esse vírus que apareceu pela primeira vez na região da Ásia Mayor, na época chamada de China. Quando foi finalmente identificado, após deixar muitas pessoas doentes e infectadas, o vírus provocou uma reação global colocando a população praticamente de todo o planeta em quarentena. Quarentena para que desconhece o termo, é um período de tempo em que as pessoas devem ficar reclusas para não se contaminarem umas às outras.

Um aluno levanta a mão. A professora imediatamente reage:

‘Pois não Say, qual a sua dúvida’?

‘Professora, e como foi que ele apareceu’?

‘Boa pergunta. Bem, primeiro, existem muitos milhões de tipos de vírus por aí, mas nem todos são ruins para os seres humanos. Mas, às vezes alguns são: ao entrar em contato com nosso organismo, utilizam as células do nosso corpo para se reproduzirem e assim, passam a fazer mal aos humanos. É o caso das gripes e outras doenças que não existem mais. “Porém, naquela época, talvez até por uma mutação, surgiu este novo vírus, pegando o mundo todo de surpresa.”

A professora escreve na ‘lousa’: 2020

“Os primeiros casos foram registrados ainda em 2019, porem, foi em 2020 que a terra sofreu os efeitos da contaminação do COVID-19. Nessa segunda década do século XXI, a Terra passava por momentos bem interessantes: a tecnologia avançava rapidamente na área da Inteligência Artificial e a informática começava a dar os primeiros passos no campo da Física Quântica, o que fez muita coisa mudar rapidamente em termos de avanços tecnológicos. Mas isso é assunto para outra aula...” Enquanto a professora fala, imediatamente da “lousa”, se materializam imagens do nosso planeta no Século XXI.

“Mas, continuando, naquele tempo nosso planeta estava em plena ascensão tecnológica, que era utilizada em larga escala, quase que indiscriminadamente, para exploração dos recursos naturais do planeta, para produção ilimitada e abusiva, pois o que realmente importava era o lucro, o acúmulo de bens e riquezas. Animais eram confinados e alimentados com produtos químicos que os faziam crescer e engordar mais rapidamente para serem sacrificados e transformados em alimento. Florestas inteiras eram derrubadas para dar lugar a plantações e estas plantações eram bombardeadas com os mais diversos tipos de agrotóxicos: isso tudo em uma escala inimaginável. Os oceanos estavam doentes: peixes e mamíferos estavam morrendo intoxicados e sufocados por plásticos e outros dejetos que levavam muitos anos para se decompor; grandes barreiras de corais começavam a desaparecer e a poluição nas praias punha em risco também a saúde das pessoas.”

“Apesar de tudo isso, grandes corporações e os governos dos países desenvolvidos se preocupavam apenas em aumento de produção e, pela troca de interesses, orquestravam sua manutenção no poder. Dessa forma, garantiam que lugares sagrados para nós hoje como a Floresta Amazônica, a Antártida, o Polo Norte e regiões do continente africano, fossem diretamente explorados ou sofressem as consequências do aquecimento global e da poluição.”

A turma estava em silêncio, imaginando talvez, em suas cabeças jovens, como seria a vida naquela realidade tão cruel.

“Mas isso não era tudo”...

Continuou a professora. “Havia a guerra... e como mencionei antes, o que mais interessava ao poder dominante do século XXI, era o lucro. A competição econômica e tecnológica entre as nações alimentava os conflitos armados. Portanto, é importante que vocês entendam que a guerra é um negócio altamente lucrativo: enquanto há guerra, há lucro.”

“Como eles ganhavam dinheiro com a guerra professora”? um aluno extremamente indignado perguntou.

“Produzindo armamentos! Injetando os recursos que tinham, como por exemplo a principal moeda da época, o Dólar, para fabricação de artefatos aéreos, drones, etc. a tecnologia empregada para desenvolver armas cada vez mais letais e inteligentes demandava muito dinheiro e bancava uma cadeia de produção imensa, toda sustentada pela guerra.”

“Nesse ínterim, pessoas no mundo todo tinham uma vida agitada, viviam sob pressão e medo. Medo da violência causada pela desigualdade social e medo da instabilidade. Era uma sociedade que sofria de ansiedade. Paralelamente, àquela época, a internet começou a proporcionar muitas vantagens para todos, mas trouxe também um imediatismo, um isolamento e uma falsa necessidade de auto exposição. O ego passou a ser o centro de toda atenção e a ilusão criada pelas pessoas, passou a ser sua fuga da realidade”.

“Se alguém, por qualquer motivo não estivesse em alguma mídia social, como eles chamavam à época os aplicativos e plataformas de relacionamento e convívio social, ela praticamente não existia”. “Os valores se inverteram: você era mais apreciado pelo que mostrava nestas mídias sociais, do que pelo que de fato fazia em sua vida real; de como se relacionava com sua família; o que fazia pela sua comunidade; com o seu tempo: não importa. Se não estivesse na internet, você não existia.”

“Mas voltando a questão do COVID-19, o que ocorre quando um vírus confina as pessoas às suas casas? Quando tiveram que interromper suas rotinas massacrantes, estressantes e super corridas?” “O que acontece quando você é obrigado a desacelerar; quando é obrigado a ficar junto da sua família, conviver com seus pais, irmão, esposos, filhos, sobrinhos, enfim...” “As pessoas tiveram que colocar suas prioridades – trabalhar, produzir e obter recursos para sobreviver, em segundo plano. Passar tempo em casa com a família passou a ser a ordem da vez.”

“Acho que elas gostaram disso, professora”.

Era a Mary novamente. Ela definitivamente era uma menina espirituosa.

“Sim, é verdade. A grande maioria delas estranhou à princípio. Mas sabe o que aconteceu? Elas passaram a refletir mais sobre suas vidas, durante esse tempo de confinamento, durante essa parada. Tiveram mais tempo para cuidar dos filhos, para darem atenção a seus esposos e esposas, a seus pais. Mas, por outro lado, as empresas e os empresários começaram a ver seus lucros caindo. E existia uma preocupação com o que aconteceria com a economia: sem poder trabalhar, muitos perderiam o emprego pois as empresas também não teriam lucro sem vendas e sem negócios sendo concretizados. Não haveria como pagar os empregados...Lembrem-se de que estavam todos confinados, em quase todos os países do mundo.”

“Por isso o ano de 2020 é tão importante na nossa história. Foi onde tudo começou a mudar. Esse período de confinamento foi um momento chave para a realidade que vivemos hoje, quase 150 anos depois!”

“Durante o tempo de confinamento, o ar nas grandes metrópoles começou a ficar menos poluído. As águas de mares e rios melhoraram de qualidade, ficando mais limpas. Animais e pássaros se sentiram mais à vontade pela falta de movimentação em ruas e parques, e até espécies mais raras começaram a aparecer nas cidades. Porém, mais importante ainda, a temida crise financeira não foi tão cruel assim. Na guerra contra o vírus, as pessoas foram solidárias, os países se ajudaram para encontrar a cura, para salvar os doentes. Portanto, ao final da fase mais aguda de contaminação, havia um sentimento de união global. Pela primeira vez, pelo menos para a grande maioria da população, povos do mundo todo tiveram que enfrentar juntos um inimigo comum. Não eram muçulmanos contra judeus; não eram extremistas contra liberais; não eram capitalistas contra socialistas, não eram irmãos contra irmão. O vírus mostrou que não importava raça, nível de educação, condição financeira ou posição social. Éramos todos iguais. A crise mostrou a todos uma nova forma de pensar, de olhar para o planeta, de olhar para o próximo. Percebeu-se que ninguém sobrevive sozinho, que ninguém pode comer dinheiro (todos riem). Que a união os havia transformado, que a tristeza por aqueles que se foram, principalmente os mais frágeis e os idosos, comoveu a todos. Entenderam que a solidariedade era fundamental e, “se colocar” no lugar do outro, passou a ser uma experiência cada vez mais presente. Houve um grande esforço para se evitar um sofrimento maior e para cuidar do planeta como um organismo vivo, do qual somos parte, do qual dependemos.”

“Essa foi a principal mudança de mentalidade que fez com que a partir de 2020, pessoas, políticos, pensadores, economistas, cientistas, empresários, principalmente aqueles mais jovens, começassem a questionar os modelos antigos de produção, de governo e de exploração do meio ambiente.”

“Bom, essa foi nossa aula de introdução de História do século XXI. Para a próxima aula, gostaria que vocês pesquisassem e trouxessem anotados outros fatos importantes ocorridos entre os anos de 2021 e 2031, exatamente os 10 anos após a crise do COVID19. Até a próxima aula.”

As crianças se levantaram e começaram a deixar a sala, conversando animadamente. Da porta, Mary voltou-se para a professora e disse.

“Sabe, meus pais já tinham falado um pouco sobre essa época. Mas fiquei bem impressionada de como era triste aquela realidade. Que bom que tudo mudou professora.”

A professora lhe sorri de volta.

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